Monday, October 28, 2013

Ponto de Fuga

Como um traço de melodia em contraponto
Invadida pelos fulgores de um compasso sanguíneo,
Bailam os tambores de guerra ao ritmo da escuridão
E, qual relâmpago de funérea alvura,
Dança a espada na carne dos deserdados.

Espectros de fogo revolvem as paredes do labirinto
Correndo contra a perseguição da esfinge
E, enquanto a noite se agita entre marés crepusculares
Que ascendem em dedos de teia até ao manto das estrelas,
Há um som de passos que correm na coreografia dos fugitivos,
Agitando por dentro do escudo o ponto onde a seiva cai.

Morta sob o peso da neve que lhe prende os braços,
Chora em sinfonias dispersas o torso da árvore morta
Que estende às trevas o abraço da súplica estrangulada
Por entre o véu das correntes que lhe amordaçam os membros,
E dorme sob um céu de fogos-fátuos em dispersão
A clandestina memória de um andamento maior,
Onde a voz da sinfonia se desvanece entre espelhos
E cai como lágrima seca sobre o sudário do absurdo.

Wednesday, March 20, 2013

Fiel


Só tu poderás dormir sobre a minha tumba
Quando eu partir
E o vento fustigar a lápide que me cobre
Gemendo imitações de som.
De sons, dos meus passos
Sobre a terra húmida da aldeia serena
E do teu saltar a quatro patas a meu lado,
Como se estivesses ainda
De olhar expectante no meu olhar perdido
E não enroscado no mármore frio,
Também à espera do fim.

Só tu, quando os que passam te encontrarem
E acariciarem com mãos indiferentes
O teu manto gelado, como eu,
Poderás falar de abismos que me engoliram
E te deixaram para trás,
Negro também, na alma e no coração,
À espera de um eu que não pode
Regressar.

Só tu serás, então, o meu profeta,
Para lhes lembrar que serão como eu
E que o tempo passará, também, quando partires
Para o abrir de meus braços na escuridão.
Talvez, então, uma lágrima te embale
E lave a pedra do derradeiro adeus,
E, em ti, fiel a mim,
Fiel a nós,
Eles consigam ver outra verdade, outra
Vida
A pulsar nos seus corações de pedra.

Só tu
Serás o meu uivo de pena.
Só eu serei
O teu grito
De amor.

Friday, January 04, 2013

Infamous Last Words


Diz-lhes que não há mais nada,
Que acabou,
Que já não há coração para salvar.
Que o sangue fugiu em lágrimas pelo chão
E eu também,
Com palavras rasgadas no peito e a pele
Rasgada pelas mesmas palavras.

Diz-lhes que já não há séculos suficientes para viver
Quando a memória não morre
E que os olhos que viram a aurora dos milagres
Fenecem, agora,
A cada amanhecer um pouco mais.
Diz
Que a coragem não tem mais que estertores
Para o fardo de demasiados anos
Pousados sobre mim cedo demais.

Diz-lhes que já não há
Nem esperança nem essência nem futuro
Nem vontade de o erguer
Dos destroços de uma muralha perdida,
Que a vida já não corre
Nestas veias transidas de medo e de memória,
Tão secas como eu.

Mas não… Não vale a pena. Não digas
Nada,
Que nada é quanto escorre destas palavras
Sem sentido nas frases para criar.
Que as horas, essas
Infinitas, as eternas, todas as horas
Hão-de passar também sobre o meu rosto
E até ele há-de ser nada no final.
Para quê? Se os tempos correm abraçados
À mesma sombra sempre repetida
E as lágrimas podem ser para sempre novas,
Mas têm os mesmos núcleos,
Iguais.

Não digas… Diz-lhes só que a sombra passa
E o passado
Fica pintado nos meus passos.
O resto, eles que o vejam, se puderem, se
Tiverem ainda olhos sobre o nada
Que somos todos.

Friday, September 07, 2012

Lições do Olhar


Nasceu contemplando a espera dos abismos na distância
E o sal dormia-lhe nas veias como um mar.
Tinha nas mãos as manchas da negrura interior
Que lhe repousava nas catacumbas da alma
E a distância sentida na pele dos sonhos que fugiam
No manto da eterna nulidade.

Cresceu de olhos abertos ao vácuo da extinção
Que a preenchia em profecias
E os passos deixaram marcas na lama que amordaçava
O canto que sufocava na solidão.

Viveu com um olhar absorto sobre as palavras do vento
E da água do mar que a convocava
Aos altares do espectro cavernoso
Cujas mãos lhe tocavam elegias no cabelo
E deixavam para trás um suspiro de saudade
Tão ténue como o crepúsculo dos cânticos mudos.

Morreu, por fim, e os olhos ainda fitavam
O deserto dos céus por sobre a vida.

Friday, July 13, 2012

Heresiarca


Contemplo a fé do não ser
Embalada sob o amplexo de névoas e de profecias
E os braços da vela enlaçam o silêncio do meu corpo
Como obstinações de cruz.
Não creio,
Mas tenho os olhos erguidos ao mistério do absoluto
E os braços agitam as cordas rasgando a pele
Nos pulsos do deserto moribundo.
E há mãos de fogo na mordaça do meu grito,
Da voz que nasceu em defesa dos exilados
Mas que se perdeu no desterro
E o tempo contempla as grades da essência que me condena
Na perpétua prisão das chamas

Roça-me os dedos a fuga do compasso de finados,
A morte que apela ao vazio da minha imensidade
E o adeus escapa-me sobre os dedos como voz de divindade
Cujo apóstolo anuncia aos desertos
O desvanecer das horas onde o sonho se dilui.

Morreu em mim a defensora,
A maga dos momentos que afastam o véu dos céus
Ante a renúncia dos condenados,
A fúnebre dispersão dos filhos do Éden
Sobre o silêncio das águas,
E tocam a rebate os sinos da catedral do absurdo
Gritando ao poema deserto nos seus lábios mortos
Que com ela morreu a redenção.

Friday, June 29, 2012

Elegia


Há um nome ancorado no tempo que completa a voz
Como as veias de uma catedral,
O silêncio que jorra por dentro das entranhas do mar
E multiplica os ecos
Até ao infinito som de um grito.

Silentes, os olhos da aurora contemplam o véu
Do horizonte em chamas,
Rasgado pela fúnebre figura do cavaleiro arlequim,
Da figura que regressa,
Espezinhada pelos passos de uma divindade antiga,
Prostrada pela profecia do futuro nada.

A mão completa o sussurro da miragem perdida
No olhar das esferas
E o trono jaz entre as cinzas do império desfalecido,
Como um segredo prostrado na conspiração das horas,
Uma voz amordaçada
Que se afasta entre muralhas destruídas
Soltando ao vento o marulhar do caos.

Há um lamento na trova dos deserdados.
O rei morreu…

Friday, June 22, 2012

De Profundis


Invoco-te dos abismos da dor,
De além da mágoa eterna, imensurável
E espero-te nas trevas, vão senhor
Do campo de batalha interminável.

Exércitos, os teus, são só de amor,
De sonho as lanças da noite indomável,
De lágrimas o teu manto sem cor
E de silêncio a esperança inefável.

Invoco-te com mãos de alva saudade,
Com olhos de vencida liberdade
E com um coração feito de nada.

Chamo-te da razão para sempre morta.
Não passarás, senhor, à minha porta
Para abençoar uma alma condenada?