Friday, June 29, 2012

Elegia


Há um nome ancorado no tempo que completa a voz
Como as veias de uma catedral,
O silêncio que jorra por dentro das entranhas do mar
E multiplica os ecos
Até ao infinito som de um grito.

Silentes, os olhos da aurora contemplam o véu
Do horizonte em chamas,
Rasgado pela fúnebre figura do cavaleiro arlequim,
Da figura que regressa,
Espezinhada pelos passos de uma divindade antiga,
Prostrada pela profecia do futuro nada.

A mão completa o sussurro da miragem perdida
No olhar das esferas
E o trono jaz entre as cinzas do império desfalecido,
Como um segredo prostrado na conspiração das horas,
Uma voz amordaçada
Que se afasta entre muralhas destruídas
Soltando ao vento o marulhar do caos.

Há um lamento na trova dos deserdados.
O rei morreu…

Friday, June 22, 2012

De Profundis


Invoco-te dos abismos da dor,
De além da mágoa eterna, imensurável
E espero-te nas trevas, vão senhor
Do campo de batalha interminável.

Exércitos, os teus, são só de amor,
De sonho as lanças da noite indomável,
De lágrimas o teu manto sem cor
E de silêncio a esperança inefável.

Invoco-te com mãos de alva saudade,
Com olhos de vencida liberdade
E com um coração feito de nada.

Chamo-te da razão para sempre morta.
Não passarás, senhor, à minha porta
Para abençoar uma alma condenada?

Thursday, June 14, 2012

Ao Silêncio da Ideia


Na hora em que todas as vozes se calaram
Na pulsação da musa sob o sangue
E os gritos da história que queria ser contada,
Nem que apenas por mágoa, apenas
Por fé,
Surgiram vãos no abismo da procura
A que só o silêncio respondeu…

Quando o sussurro do sonho puxou das armas
Por encontrar à espera as batalhas
Em nome de cada palavra pronunciada,
Quando a razão era de mãos apertadas na garganta
Das aspirações secretas,
Estranguladas sob a opressão das palavras
De carrascos, de juízes, de carcereiros
Sentados à espera de uma alma que pudessem
Arruinar.

Quando, mortas, as ânsias do imaginário
Deram lugar a um tremor no vazio
E a criação se fez fardo na essência do criador
Temente à sombra e à mágoa e ao exílio e ao despertar,
Quando uma voz sussurrante encheu as cavernas
Da imensa ausência de um cárcere interior
- Não era isto o que querias para o teu sonho… -
E a noite imensa era treva igual ao dia
E a eternidade a mesma saga repetida.

Na hora em que os teus dedos se quedaram
Sobre o papel manchado do teu sangue
E das lágrimas vagas da tua alma,
Quando o silêncio tomou posse do trono
Que a soberana musa destronada
Deixou ao vácuo que sobrou de ti.

Friday, June 01, 2012

O Corpo do Olhar


Este é o meu reino. Eu vejo
Esferas no verde de cada floresta aberta
Para me acolher no seu seio. Eu sinto
O aroma das fantasias dispersas na alma
De um corpo pintado a caruma e húmus
No chão. Eu oiço os gemidos
Das feras que divagam na penumbra
Dos predadores. Eu toco a casca
Dos troncos milenares que me cercam
O corpo desorientado. Eu sinto o sabor
Das eras que passaram sobre este campo
Nos lábios febris de sonho. Eu sou…
O que lembro e o que encontro
E o que guardo dentro das casas destruídas
Da minha alma e este lugar
Que é meu, imensamente, eternamente,
Vive comigo como a luz dentro de mim.